Após palestra no Festival 3i sobre algoritmos e influência, jornalista comenta sua trajetória, os riscos da profissão e a importância de novas formas de apoiar o jornalismo no Brasil
04/jul/2025
O jornalista carioca Guilherme Amado, um dos principais colunistas políticos do país, tem uma trajetória dedicada ao fortalecimento do jornalismo de interesse público, inovação, segurança para jornalistas e diversidade de narrativas. Diretor da Global Investigative Journalism Network (GIJN), principal associação de jornalismo investigativo do mundo, recebeu prestigiados prêmios, como o Esso, o Tim Lopes e o Comunique-se, e foi bolsista do programa John S. Knight Journalism Fellowship da Universidade de Stanford, onde estudou a colaboração entre jornalistas investigativos.
Após participar, junto do jornalista Gilberto Scofield, da mesa “Influência, opinião e jornalismo: novos caminhos em termos de algoritmos”, discutindo o papel das plataformas na mediação da opinião pública, no primeiro dia do Festival 3i 2025, em junho deste ano, Guilherme concedeu esta entrevista à Ajor. Nela, fala sobre a criação da recém-lançada plataforma Amado Mundo, canal de informação e entretenimento sobre política, mundo, negócios e cultura; sua experiência com ataques ao seu trabalho investigativo; e a biografia que está escrevendo sobre a cantora Gal Costa.
Ajor: Você atuou em O Globo, Veja, Época, Extra, Correio Braziliense e Metrópoles. O que o motivou a criar a plataforma Amado Mundo? Foi uma busca por independência editorial?
Guilherme Amado: Foi também uma maneira de trazer para mim a decisão que, ao longo da vida, eu terceirizei para os veículos onde trabalhei: decidir, no fim do dia, o que entra, o que é publicado e o que não é publicado. Agora, eu decido. Mas o que mais me motivou foi criar um veículo em que a gente consiga furar a bolha e falar com quem não presta mais atenção no jornalismo.
Ajor: Como você decide que uma pauta merece ser investigada a fundo?
Guilherme Amado: Avalio o quão impactante o assunto é, não no sentido de gerar muitas visualizações, mas sim no sentido de impacto social.
Ajor: Como surgiu a ideia de escrever a biografia da cantora Gal Costa?
Guilherme Amado: Escrevi em 2022 o livro-reportagem “Sem Máscara”, sobre o governo Bolsonaro durante a pandemia. E aí eu e a editora Companhia das Letras estávamos querendo fazer um segundo livro. Tinha decidido que não seria sobre política, porque é enlouquecedor passar o dia inteiro cobrindo política em um país como o nosso e, no horário que tem para escrever um livro, ainda conversar sobre política. Não é saudável.
Amigos da Gal começaram a me instigar, dizendo que tinham uma preocupação de que o caso da Wilma (Petrillo, empresária e companheira de Gal) e do Gabriel (filho da artista) engolisse a memória da Gal. E que ela não merece ser lembrada por isso, mas pela cantora e mulher que foi. Resisti no começo, dizia “quem sou eu pra escrever uma biografia da Gal Costa?”. Mas várias coincidências começaram a acontecer. Estou muito bem posicionado para fazer um bom trabalho de proximidade com fontes, de documentos e informações.
Ajor: Você pode contar sobre as ameaças que sofreu no governo Bolsonaro?
Guilherme Amado: A pior coisa concreta que tive no governo Bolsonaro foi uma ameaça que recebi do marido da ministra dos Direitos Humanos que substituiu a Damares. Ele ameaçou a mim e à minha família. Ameaçou minha filha nominalmente. Um sujeito como esse – advogado, ex-integrante do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal – se sentiu encorajado, porque o presidente legitimava uma coisa dessas.
Ajor: E como lidou com os ataques públicos do deputado Eduardo Bolsonaro? Sentiu apoio do setor?
Guilherme Amado: Não me preocupou, pois lidei durante quatro anos com o pai dele (o presidente Jair Bolsonaro), inclusive sendo atacado pelo pai. E o pai me parece que tinha um pouco mais de recurso do que ele para efetivar as ameaças e intimidação. Por incrível que pareça, o Eduardo Bolsonaro tem muito o que aprender com o pai. Inclusive, hoje, o pai, porque está por baixo, se eu ligo, ele atende.
Eu sei que aquilo faz parte de uma construção de rede social, mas também sei que sou privilegiado: sou homem, que sempre trabalhou em grandes veículos, faço parte de órgãos da sociedade civil que protegem jornalistas, conheço muita gente por causa da profissão – isso me protege. Mas veja como eles tratam jornalistas mulheres. E pior: sempre falei, o problema maior do governo Bolsonaro não era a ameaça direta do Bolsonaro, mas ele fazer o guarda da esquina acreditar que ele deveria fazer pior.
Matéria produzida pela equipe de estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor). Supervisão: profª Itala Maduell. Foto: Gabriela Falcão.