NOTÍCIA

Mariana Rielli: “O jornalismo traz evidências de que são necessários novos acordos sobre como governar tecnologias”

Palestrante do Festival 3i 2025, advogada defende que regulação das plataformas digitais vai reduzir a assimetria de informação e criar mecanismos para o diálogo

POR Thaís Helena Andrade |

04/jul/2025

A advogada Mariana Rielli, codiretora da Data Privacy Brasil, participou do Festival 3i 2025, em junho deste ano, no Rio de Janeiro, como convidada da mesa “O impacto do jornalismo sobre as big techs”, que contou ainda com a paquistanesa Hajira Maryam, gerente de mídia na Anistia Internacional; Marília Moreira, editora institucional do Instituto AzMina; Sérgio Spagnuolo, diretor-executivo do Núcleo Jornalismo; e Laís Martins, repórter do Intercept Brasil.

Nesta entrevista exclusiva para a Ajor, a mestra em Filosofia, especializada em sociedades digitais pela Universidade de Tilburg, na Holanda, explica que o jornalismo desempenha papel central na missão de traduzir as discussões sobre a fiscalização das grandes empresas de tecnologia, em prol de um ecossistema informacional mais justo.

Segundo Rielli, regular não é a única solução quando se trata de mensurar os impactos sociais e econômicos causados pelas novas tecnologias digitais. Para a pesquisadora, outros atores sociais, como o jornalismo, devem trabalhar para conscientizar sobre a coleta e tratamento de dados pessoais, cuja proteção é fundamento da economia digital.

Ajor: Como vê o debate sobre a regulação das big techs no Brasil? É necessária uma maior participação de agentes sociais?

Mariana Rielli: Há, sim, um debate bastante substancial na agenda pública brasileira, que em alguma medida ainda é mediada por veículos de imprensa. Mas existem muitas minúcias técnicas e nuances nesse debate. Há a necessidade, de fato, de um maior engajamento e um chamado – ou dever, talvez – de organizações da sociedade civil que atuam nesses processos regulatórios ou do campo acadêmico de traduzir esses temas e trazer para debate, porque isso é importante para o jornalismo e para outros atores. Em um campo de tanta complexidade, todos têm algo a dizer, e ainda há um desequilíbrio. Tem várias discussões acontecendo em que o jornalismo não está necessariamente engajado do ponto de vista das possibilidades da regulação.

Ajor: Qual é a real dimensão da questão em torno dos dados residuais coletados pelas bigs techs?

Mariana Rielli: Muitas das coisas que são discutidas estão na camada do conteúdo, na camada daquilo que é produzido, circulado, disseminado, das mensagens, se as mensagens são privadas, se têm segurança. São discussões super importantes, mas envolve uma infraestrutura, que vai inclusive determinar quais conteúdos a pessoa vai receber. E essa infraestrutura é alimentada por dados coletados dessas interações. Todos esses outros dados, que também são compartilhados, coletados e tratados, mesmo que não sejam tão sensíveis do ponto de vista individual, são muito importantes sistemicamente e estão no centro dos modelos de negócio, então eu diria que a dimensão é a maior possível. É a coisa mais importante, na minha opinião.

Ajor: A legislação atual acompanhou o desenvolvimento tecnológico e das plataformas de tecnologia?

Mariana Rielli: As tecnologias produzem danos que não necessariamente o direito está equipado para identificar, pois, às vezes, não se trata de um dano que dá para recortar no tempo e demonstrar que aconteceu de determinada forma. Nesses temas de fronteira, o jornalismo, ao revelar histórias, investigar, traz evidências de que são necessários novos acordos sobre como governar essas tecnologias. Há tensão entre direitos individuais que precisam sim ser reforçados, atualizados, repensados e ampliados, com essa sistemática mais ampla.

Ajor: Regular é a única solução para fiscalizar e responsabilizar as big techs?

Mariana Rielli: Não se espera que, uma vez que a regulação seja aprovada, qualquer problema tenha se resolvido. Muito pelo contrário. O importante é que a regulação que exista forneça os mecanismos para que o trabalho comece ou para que o trabalho seja, de fato, fortalecido, e não dificultado.

Sair de uma esfera um pouco mais estrita dos termos para uma concepção mais ampla de governança para a ideia de como as tecnologias complexas exigem regulação. Esta pretende reduzir a assimetria de informação e criar mecanismos para constante diálogo com uma série de atores, entre os quais o jornalismo, que se mostra como relevante e precisa estar por dentro desses debates.

Para além da ideia de integridade da informação, a confiabilidade só é possível dentro desse ecossistema, pois são justamente os fluxos informacionais e essas infraestruturas que vão determinar se o conteúdo que chega na ponta tem integridade. O papel do jornalismo como fiscalizador não é apenas revelar casos específicos, mas qual é o papel do jornalismo nos processos de regulação? É de um agente que participa dessa governança e que tem interesses em relação à própria sustentabilidade. Em uma visão bem inicial e positiva, há discussão sobre mecanismos possíveis dentro de uma regulação de inteligência artificial, como auditorias e avaliações de impacto. O papel do jornalismo é como agente de controle social, não só do ponto de vista de sua própria sustentabilidade.

Questões da inteligência artificial e outros pontos da lei já estão no projeto, tanto no sentido mais positivo, como mecanismos de auditoria, avaliação, que tem a ver com accountability, e a regulação econômica. Não temos a proposta em si ainda, mas, quando vier, todo mundo terá que dar mais atenção, porque é mais fácil que discutir regulação de plataformas e conteúdo, que é quando o lobby entra muito violento.

Matéria produzida pela equipe de estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor). Supervisão: profª Itala Maduell. Foto: Gabriela Falcão.