NOTÍCIA

“É nossa chance de fazer uma coisa realmente muito inovadora”, diz Carolina Oms, do FAJ

Em entrevista exclusiva concedida durante o Festival 3i 2025, organizado pela Ajor, a jornalista e pesquisadora destacou a importância da criação do Fundo de Apoio ao Jornalismo

POR João Gabriel Vasconcellos |

07/jul/2025

Diante da facilidade de disseminação de notícias falsas por meio das plataformas digitais, o jornalismo tem o papel fundamental para garantir o acesso à informação de qualidade. No entanto, as organizações jornalísticas, sobretudo independentes, esbarram no desafio da sustentabilidade financeira. Foi pensando nessa demanda por notícias de qualidade e na escassez de recursos que surgiu a ideia de criar o Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ). Com o título de primeiro fundo de jornalismo do Sul Global, a iniciativa já chama atenção pela inovação e possíveis impactos positivos no ecossistema do jornalismo do Brasil.

Diretora de Comunicação e Sustentabilidade do FAJ, a jornalista e pesquisadora Carolina Oms esteve no Festival 3i 2025, em junho deste ano, em que apresentou a sessão de Dados e Tendências “Descentralizar, ampliar e aprofundar: o financiamento do jornalismo no Brasil”. Em entrevista exclusiva à Ajor, Carolina falou sobre como o caráter do jornalismo brasileiro pode contribuir para os objetivos do fundo.

“O Brasil tem um ecossistema de jornalismo que não tem igual no mundo, ele é realmente ponta de lança, e ele pode servir de inspiração, não só para o país, mas para o mundo todo. Tanto as políticas públicas que podem surgir a partir do fundo e da contribuição do fundo, quanto em modelos de financiamento descentralizado, comunitário e que vai atingir, que vão além das pessoas que já acessam os recursos filantrópicos ou tradicionais de jornalismo”, afirma.

Carolina ainda destacou ao longo da conversa a importância do surgimento do fundo, abordando os resultados de inscrições do primeiro edital como reflexo disso. A jornalista também falou sobre sua entrada no projeto, o processo de criação e os próximos passos. Confira a entrevista na íntegra:

Ajor: Como você recebeu o convite para participar da equipe de fundação do FAJ e como foi receber esse convite?

Carolina Oms: Eu me apliquei. Teve um processo seletivo para todas as três diretoras, eram três cargos diferentes, uma diretoria horizontal, cada uma com uma atribuição. Uma é sustentabilidade e comunicação, que é a minha, a outra é programática, que vai cuidar do programa de aprendizagem, e a outra é operacional. Enfim, participei de um processo seletivo, sou fundadora do Instituto AzMina, estava ainda trabalhando lá, mas sentia que tinha terminado meu ciclo estava na hora de passar o bastão para as que vêm depois. Achei que o fundo era uma iniciativa importante e que seria legal para contribuir com ela.

Ajor: Como foi e está sendo esse processo de criação, da concepção até o lançamento?

Carolina Oms: As articulações para o fundo começaram em 2022, tanto por parte do campo quanto por parte da filantropia. O campo, por meio da Ajor e de organizações que já tinham acesso a esses recursos filantrópicos, começaram a discutir a criação de um fundo de jornalismo, ainda sem saber para onde iriam os recursos. Com os recursos assegurados, houve um investimento em uma pesquisa, no estudo do campo, para que se direcionassem os recursos. O levantamento apontou uma maior necessidade de recursos para o jornalismo local, por causa da priorização atual na filantropia, no jornalismo de alcance e cobertura nacional, e o próprio campo aponta a importância do jornalismo local e da sua priorização. A partir dessa pesquisa, as duas consultoras – Natasha Felizi e a Nina Weingrill – desenharam um projeto do que seria o fundo, uma estrutura, e fizeram a contratação da diretoria.

Ajor: De que maneira você acredita que o fundo pode contribuir na crescente e no ecossistema do jornalismo independente no Brasil?

Carolina Oms: O fundo pode contribuir de várias maneiras. Primeiro, oferecendo financiamento com o edital que já foi lançado e que a gente deve em breve selecionar 15 organizações para serem apoiadas com recursos de longo prazo e institucionais – recursos mais livres, não tão focados em projetos. Segundo, com a formação de uma comunidade que se reconhece, que troca experiências, que aprende e que pressiona por políticas públicas e por recursos. E terceiro, com pesquisas sobre o campo, explicando seu poder e impacto na democracia e na vida do cidadão. A ideia é que a gente atue nessas três frentes.

Ajor: O FAJ é o primeiro fundo de jornalismo do Sul Global. Como vocês se sentem com essa responsabilidade?

Carolina Oms: Estamos desesperadas e maravilhadas. Tem sido muito trabalho, temos feito muita coisa ao mesmo tempo. Lançar um site, criar um fundo, se conhecer enquanto diretoria, planejar os próximos anos, distribuir os recursos. É um campo muito diverso, grande, com realidades muito diferentes. O Brasil é imenso. Mas é nossa chance de fazer uma coisa que é realmente muito inovadora. O Brasil tem um ecossistema de jornalismo que não tem igual no mundo, ele é realmente ponta de lança, e ele pode servir de inspiração, não só para o país, mas para o mundo todo. Tanto as políticas públicas que podem surgir a partir do fundo e da contribuição do fundo, quanto em modelos de financiamento descentralizado, comunitário e que vai atingir, que vão além das pessoas que já acessam os recursos filantrópicos ou tradicionais de jornalismo.

Ajor: O primeiro edital foi lançado junto com o FAJ. Qual a expectativa dos resultados dele?

Carolina Oms: Recebemos o dobro de inscrições que estávamos imaginando. Esperávamos receber cerca de cem, porque tínhamos um nicho de atuação: se você pensa que é somente jornalismo local, independente, cem já seria um resultado muito bom. Que tenhamos recebido 200 é também um resultado em si, da notícia, da quantidade de iniciativas que existem, da demanda por recursos e da qualidade do próprio edital, que buscou ser simples de aplicar, acessível, e conseguiu atingir o Brasil todo mesmo. Isso já é uma alegria, um indicativo de sucesso para a gente. Vamos selecionar até 15 organizações, que serão financiadas com entre R$ 100 mil e R$ 150 mil por ano, por até três anos.

Além disso, a criação desses grupos de mentoria deve acontecer nos próximos meses, temos um comitê que vai atuar para selecionar as organizações. Os nomes desses comitês são secretos por uma questão de influência e segurança do processo, mas o que podemos dizer é que ele é muito representativo do próprio campo – é um comitê diverso, de diversos backgrounds e que vai olhar para as organizações com o cuidado que é necessário.

Ajor: Para além desse edital, quais os próximos projetos e ideias para o futuro do fundo vocês têm em mente?

Carolina Oms: O fundo não necessariamente precisa apoiar somente o [jornalismo] local. Essa primeira iniciativa foi nesse sentido, mas o próprio campo e as negociações que vão sendo feitas a partir de agora podem indicar novos caminhos – feitos em conjunto com o ecossistema, tanto filantrópico, quanto do governo. Temos algumas áreas que vemos que precisam de mais incentivos, como tecnologia, clima, gênero e raça. Já estamos conversando para trabalhar nisso. Quando falo tecnologia, também estou falando de big techs, de distribuição, estou falando de pensar nas plataformas e a privatização do espaço público por elas.

Queremos atuar de maneira bem ampla, vamos fazer um projeto de cada vez, mas já estamos iniciando conversas para isso e também muita conversa de incidência mundial. Estamos viajando bastante, tanto pelo Brasil quanto pelo mundo, para falar do fundo, para falar de jornalismo, espalhar a palavra do jornalismo, explicar por que isso é importante, explicar de que maneira se impacta a democracia, impacta a vida das pessoas e buscar apoio para isso. Precisamos voltar a falar de jornalismo e reconstruir a confiança do público no jornalismo.

Matéria produzida pela equipe de estudantes de Jornalismo da Unifacha, em parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor). Supervisão: profª Ivana Gouveia.