Ataques a jornalistas nas redes durante eleição de 2022 serão piores do que em 2018, dizem jornalistas no Festival 3i

Jornalistas mulheres denunciam violência de gênero contra profissionais da imprensa e candidatas, e alertam que ataques nas redes sociais e desinformação vão se intensificar durante as eleições deste ano.

Texto: Camilo Mota/ Edição: Giulia Afiune/ Ilustração: Beatriz Cristina*

Os ataques contra jornalistas nas redes sociais e a circulação de desinformação serão piores nas eleições presidenciais de 2022 do que no pleito de 2018, de acordo com Tatiana Farah (Brasília Alta Frequência), Jamile Santana (ÉNóis), Mariama Correia (Agência Pública) e Maria Martha Bruno (Gênero e Número). As jornalistas participaram do painel “Redes Sociais e Eleições – como vai ser o jogo?” no 3º dia do Festival 3i, promovido pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor). 

Para Tatiana Farah, analista política da agência de notícias Brasília Alta Frequência e gerente executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), os ataques contra jornalistas mulheres estão crescendo. Só em 2021, 127 jornalistas mulheres foram vítimas de violência de gênero, de acordo com levantamento feito pela Abraji em parceria com a Unesco. 

Tatiana Farah acredita que os ataques ainda são subnotificados, principalmente porque essas agressões têm sido normalizadas. “Não é do jogo te ofender, não é do jogo te atacar, não é do jogo que qualquer matéria que você tenha feito, a pessoa, quem quer que seja ela, responder colocando em cheque a sua integridade moral, intelectual”, pontuou Tatiana. Ela  acrescenta que os agressores desqualificam a notícia a partir da inferiorização das mulheres enraizada na própria sociedade. “Agressores não só escolhem a gente por sermos mulheres, mas porque, infelizmente, a nossa palavra ainda vale menos do que a de algum homem”, externou.

Durante a conversa, a jornalista relatou que, naquela manhã, apoiadores de um candidato invadiram o grupo de campanha de outro presidenciável no WhatsApp. O nome do grupo foi trocado por um termo misógino e conteúdos odiosos contra mulheres foram enviados, o que levou ao fim do grupo. “Eles inviabilizaram o debate democrático, que é um direito de qualquer candidato, de qualquer pessoa”, denunciou Tatiana. Para a gerente executiva da Abraji, é esse tipo de coisa que “nos aguarda e contra isso que vamos nos levantar” durante as eleições de 2022. Ela ressalta que combater esses ataques não é defender candidato x ou y. “Você está simplesmente querendo que um diálogo democrático não seja interditado e que nós mulheres não sejamos silenciadas”, afirmou. 

Mulheres jornalistas não são as únicas vítimas de ataques machistas em um contexto eleitoral. Nas eleições de 2020, o MonitorA, projeto da Revista AzMina junto ao InternetLab, mapeou os ataques direcionados a candidatas disputando cargos de prefeita e vereadora no Brasil todo. De acordo com o levantamento, as candidatas receberam mais de 40 xingamentos por dia no Twitter durante a campanha eleitoral, e eram atacadas por seus atributos físicos e intelectuais, enquanto os candidatos homens eram ofendidos por atributos profissionais.

A metodologia do projeto foi explicada por Jamile Santana, que liderou o projeto como jornalista de dados freelancer na revista AzMina e atualmente é Analista de Dados e Impacto no laboratório Énois de jornalismo. Com a ajuda de uma linguista, termos ofensivos foram elencados e procurados em uma base de dados de milhões de tweets. No levantamento, a AzMina descobriu que o discurso era violento contra todo o tipo de mulher, independentemente de raça, gênero, sexualidade ou idade, e o número de ataques, muito superior àqueles direcionados a candidatos homens. “Para as próximas eleições a gente pode esperar esse cenário muito pior porque ele não fica só online, ele sai do online”, afirmou Jamile.

A violência de gênero é somada à desinformação quando ataques são utilizados para deslegitimar uma reportagem, como afirma Tatiana. “Não adianta a gente pensar que a desinformação é uma coisa e o ataque nas redes é outra. Não, é uma grande rede,” diz. 

Como respostas a esses desafios, as jornalistas afirmam que é nosso papel pressionar as plataformas de redes sociais sobre conteúdos falsos e discurso de ódio. Além disso, é necessário cobrar as instituições. “A primeira coisa que a gente tem que fazer é gritar como jornalista atacada e, por outro lado, buscar fazer mudanças na legislação, ficar de olho na PL da fake News, que tem muitos problemas, mas é o primeiro projeto nesse sentido”, diz Tatiana Farah. 

O problema é que o ritmo das mudanças na legislação não acompanha a rapidez das redes. “Sobre as instituições, do meu ponto de vista, existem sim iniciativas, discussões no STF, a questão do Telegram, por exemplo. Mas, na minha percepção, esses debates são muito lentos em comparação com a velocidade com que essas redes se movem e as redes de desinformação dentro delas se movem também”, opinou Mariama Correia, editora e repórter da Agência Pública. 

Para Tatiana Farah, também é necessário frear a circulação de conteúdos desinformativos e violentos nas redes. “É muito difícil saber exatamente o que fazer, mas eu acho que já é hora da gente parar de fazer algumas coisas. Por exemplo, a gente muitas vezes, reproduz, retuita, repassa aquela informação falsa para criticá-la. A gente muitas vezes pega uma ofensa e joga na rede, repete as palavras ao revitimizar a vítima, sendo a vítima, às vezes, nós mesmas.”

Jamile Santana também afirma que, quando vamos cobrir este assunto, matérias rasas, que não respeitam as interseccionalidades de raça e gênero não são mais aceitáveis. “É preciso respeitar as interseccionalidades. O ataque que uma mulher branca sofre é diferente do ataque que uma mulher negra sofre, que é diferente do que uma mulher que vem da periferia sofre. Então, como que eu consigo mostrar essas dinâmicas nas eleições? Como eu consigo cobrir essas questões, que são muito sensíveis e subjetivas, respeitando as intersecções tanto do jornalista que está produzindo a informação, quanto do próprio candidato ou candidata?”

Para Maria Martha Bruno, diretora de conteúdo da Gênero e Número, todos os jornalistas precisam se envolver nesse debate. “O lugar de fala é o lugar de onde se fala e tem assuntos que a gente tem que discutir de todos os lugares: racismo, misoginia, LGBTfobia, sobretudo nesses ambientes super violentos da arena eleitoral”, disse. 

Outro caminho sugerido pelas jornalistas é criar redes de apoio dentro das redações e entre jornalistas de veículos diferentes. “As empresas são concorrentes, nós somos colegas”, argumentou Tatiana.

A mesa Redes sociais e eleições – como vai ser o jogo? teve como Anfitriãs a Gênero e Número e o Núcleo. A Gênero e Número é uma empresa social que produz e distribui jornalismo orientado por dados e análises sobre questões urgentes de gênero e raça, visando qualificar debates rumo à equidade. O Núcleo é uma iniciativa que cobre o impacto das redes sociais nas vidas das pessoas, explorando desde os meios tradicionais de produção jornalística até novos formatos de conteúdo e tecnologia.

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Confira a mesa na íntegra:

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