Profissionais analisam o cenário de sustentabilidade financeira no jornalismo; Colaboração entre veículos e editais de financiamento mais acessíveis são caminhos para manter meios digitais.
Texto: Mariana Assis/ Edição: Anelize Moreira/ Ilustração: Mikael Schumacher
Junho de 2019 marcou o jornalismo brasileiro. No começo da noite do dia 9, o site The Intercept Brasil divulgou a primeira matéria sobre a Vaza Jato, série de reportagens que desmantelou as “Vitórias” da Operação Lava Jato, até então a melhor consolidada no país no combate à corrupção. Com centenas de áudios, conversas e banco de dados, a Vaza Jato mostrou a face corruptiva do judiciário. A série também fez parcerias com outros veículos de comunicação, em uma rede colaborativa que permite maior alcance e visibilidade das informações.
A colaboração e parceria com outros veículos permitiu a Vaza Jato não só maior legitimidade, uma vez que os principais jornais do país também publicaram reportagens da série, o que contribuiu para amenizar as críticas, inclusive realizadas pelos personagens políticos das reportagens, de que tudo não se passava de um “ataque hacker”. Depois de dois anos da Vaza Jato, há evidências concretas de que a Lava Jato foi atravessada por interesses políticos e com pouca imparcialidade jurídica. Esse é um exemplo de que um jornalismo menos competitivo e mais colaborativo impacta diretamente a apuração e a receita das apurações jornalísticas.
O jornalismo colaborativo foi apontado na mesa “Financiamento e sustentabilidade dos veículos digitais: por que ainda é tão difícil viabilizar?” como um dos meios para diminuir custos na produção jornalística, além de promover troca de expertises entre veículos. A discussão contou com a presença de Mijal Lastrebner, cofundadora e diretora executiva da SembraMedia, e Nishant Lalwani, que lidera a estratégia global da Luminate para o financiamento de mídia independente, sob mediação de Simone Cunha, diretora de sustentabilidade da Énois.
“Quando a gente pensa em como sustentar o jornalismo local ou até o jornalismo investigativo nacional é preciso também pensar no compartilhamento de custos”, disse Nishant Lalwani, que vê na colaboração também uma chave para que trabalhados de maior fôlego e que demandam mais equipe e recursos financeiros possam ocorrer.“O jornalismo é extremamente competitivo e agora é mais colaborativo. Isso muda a estrutura de custo. Jornalismo investigativo é quase impossível de ser feito de um único veículo, porque é caro demais”, afirma.
Em um contexto internacional e tendo a colaboração como meio de segurança, Nishant comenta sobre o projeto Forbidden Stories, uma rede de jornalistas que visa proteger e divulgar o trabalho de outros jornalistas que enfrentam ameaças, prisão ou assassinato. No site do projeto, é possível que o jornalista envie a sua reportagem de modo confidencial, para que oportunamente seja publicada. O lema do de Forbidden é “Matar o jornalista não vai matar a história”.
Para além da colaboração em diversos âmbitos, foi apontada a diversidade na formação de equipes como uma das maneiras de ter sucesso nos empreendimentos jornalísticos, como avalia Mijal, que já desenvolveu estudos sobre o impacto da diversidade nas redações. “Quanto maior a diversidade de talentos e experiência na equipe, maior é o aumento das chances de ter maior renda anual”.
“Fora das redes”
Existem alguns meios de sustentabilidade financeira para os veículos: estratégias de financiamento através de assinaturas, publicidade e editais, por exemplo. Mas não é tão simples ou rápido de se resolver como pode parecer.
“As pessoas esperam que as organizações de imprensa tenham uma solução para um problema que não foi criado pelas organizações de imprensa. As pessoas esperam que as soluções venham dos jornalistas e não de outros setores ou do governo, afirma Nishant. Nos casos de publicidade, hoje o Google e Facebook detêm 90% da receita. “É uma mudança estrutural na economia desses negócios”, defende.
No caso dos editais, alguns impasses. Quando tem, com certa frequência, eles nem sempre são acessíveis, com alguns em outros idiomas, às vezes. “Uma das coisas que detectamos é que acontece algo gestacional. Os jornalistas que estão nessa cidade (interior), não têm tanto contato ou oportunidade de fellowships ou bolsas internacionais. Muitas vezes, aquelas experiências de bolsa ou de visibilidade de jornalistas independentes não chegam a esses locais, principalmente com comunidades originárias”, destaca Nijal. A Luminate apoia vários veículos de imprensa independentes na África e em países da América Latina com programa de bolsas internacionais, no Brasil apoia o Nexo e o Jota.
As posturas das organizações têm mudado, Nishant e Nijal avaliam, mas há muito que percorrer para que o cenário seja mais inclusivo, acessível e diverso. Editais mais justos, estratégias de negócio que realmente estejam alinhadas com o propósito dos veículos. Por fim, os profissionais acreditam que o financiamento público para a imprensa precisa estar nas discussões, por mais que esse diálogo não seja dos mais fáceis.
A mesa Financiamento e sustentabilidade dos veículos digitais: por que ainda é tão difícil viabilizar? teve como Anfitriãs a Gênero e Número e a Énois. A Gênero e Número é uma empresa social que produz e distribui jornalismo orientado por dados e análises sobre questões urgentes de gênero e raça, visando qualificar debates rumo à equidade. A Énois é um laboratório que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro.
*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.
Confira a íntegra: