“Desinformação não se resolve com uma canetada”: os desafios envolvendo jornalismo, governos e Big Techs

A mesa desta sexta-feira discutiu o PL das Fake News, o papel do jornalismo, governos e das grandes empresas de tecnologia na moderação das informações em ambientes digitais.

Texto: Augusto Oliveira/ Edição: Anelize Moreira/ Ilustração: Miréia Arruda Figueiredo*

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou o bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram em todo o Brasil, na tarde desta sexta-feira (18). Em sua decisão, Moraes afirmou que houve o descumprimento por parte do aplicativo referente a perfis apontados como disseminadores de informações falsas “a plataforma Telegram, em todas as oportunidades, deixou de atender ao comando judicial, em total desprezo à Justiça Brasileira”.

Instantes antes da decisão ser divulgada pela imprensa, encerrava-se a mesa “Big Tech e o futuro do jornalismo digital”, do Festival 3i, onde profissionais e teóricos da comunicação debateram sobre a relação das Big Techs com a política institucional e organizações de imprensa. Mas afinal, o que são as Big Techs? Basicamente, são empresas de tecnologia multinacionais que detêm uma grande influência e poder sob a sociedade civil e os governos em todo o globo. Alguns exemplos são: Google, Microsoft, Amazon, Meta, Apple e por aí vai.

O Projeto de Lei nº 2630/2020, apelidado de ‘PL das Fake News’, em debate na Câmara dos Deputados foi um dos temas centrais da mesa. Se aprovado na Câmara, o texto que já sofreu diversas alterações, precisa voltar ao Senado. “É um projeto de lei que não agradou a sociedade civil, as organizações de jornalismo, que se posicionaram críticas em relação à remuneração aos profissionais de comunicação, e não agradou também as plataformas, que se manifestaram contra”, resumiu Paula Miraglia do Nexo Jornal.

Segundo sua ementa, o projeto “estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”.

Francisco Brito Cruz, do InternetLab, ponderou que o PL tem diversas lacunas e precisa ser melhor trabalhado por conta da complexidade do tema. Para colaborar com as eleições, o PL precisaria ser votado até agosto. Porém, segundo Cruz, as empresas precisariam passar por adaptações e o país teria no máximo até as eleições algumas sanções às plataformas digitais. 

“Esse projeto nasce para combater a desinformação, as fake news, e é difícil posicionar um PL sem ter uma definição clara sobre o que é a desinformação. É um fenômeno complexo que não se resolve com bala de prata, tem facetas econômicas, políticas”, diz Cruz. 

O Observatório da Imprensa definiu a desinformação em uma palavra: confusão. Basicamente, trata-se de fazer com que as pessoas acreditem em falsas informações ou esconder a verdade para uma mudança de opinião ou reforço de uma ideia. É um problema diretamente associado à crise de legitimidade que a indústria das comunicações vive no Brasil.

Um artigo específico do PL, que obriga as plataformas a pagarem os veículos jornalísticos precisa de regulamentação, foi criticado  por todos os participantes. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em conjunto com outras organizações do jornalismo brasileiro, também criticaram publicamente o artigo, reforçando o fato de que este projeto de lei não foi debatido pela sociedade civil.

“O Brasil nunca estabeleceu e preparou de forma robusta estruturas de Estado para tutelar e implementar políticas públicas de comunicação como nós gostaríamos. É o debate da democratização das mídias. Quem no Brasil pode regulamentar as relações das plataformas com o jornalismo? Não existe.”, complementou Francisco.

Algoritmos

As experiências das eleições passadas, desde Trump até Bolsonaro, geraram uma onda de reações no setor da tecnologia. Nos Estados Unidos, as Big Techs decidiram não investir na moderação do conteúdo individualmente, mas impulsionar os conteúdos com maior credibilidade através dos seus algoritmos. 

Jain, da Reset Tech, ainda reforçou que a transparência é um princípio fundador para as grandes empresas de tecnologia, não só dos dados internos, mas de como funcionam seus sistemas e processos. A capacidade de explicar é muito importante. Há um chamado para que as empresas também publiquem suas normas comunitárias em outros idiomas além do inglês, pois há muitos casos que ainda não aconteceram”.

Por exemplo: o Facebook tem 90% dos seus usuários fora dos Estados Unidos. Entretanto, 87% da moderação de conteúdo foi feita em território estadunidense. Ou seja, sobrou 13% de força de trabalho nesta frente para mais de 90% dos usuários da plataforma vulneráveis a desinformação.

“O grande problema das tecnologias é o poder de persuasão que elas têm. Em 2021, Google e Facebook concentraram 81% do investimento publicitário no mundo. Hoje, o mercado jornalístico está muito envolvido com o campo digital. Ficamos ainda mais dependentes desses espaços. O jornalismo é fundamental para fortalecer a democracia e é essencial os veículos de comunicação se posicionarem e educarem a sociedade civil sobre o tema”, pontuou Iacy Correia, do Alma Preta

O quê isso significa na prática? O quê isso significa na prática? Basicamente que se houver procura ou engajamento, mesmo o conteúdo sendo falso, ele continuará sendo disseminado. Casos recentes de publicação de conteúdos anti-vacina no Spotify, ou do banimento de Trump do Twitter, geraram altas discussões sobre o papel dessas empresas na regulação dos conteúdos publicados em suas plataformas.

Iacy reforça que é necessário investir cada vez mais no letramento digital, incluindo as discussões sobre as tecnologias nos currículos do ensino infantil e fundamental. Neste setor, comunicadores diversos podem exercer grande influência positiva. No Brasil temos organizações que são linha de frente no combate à desinformação. Entre elas estão: Agência Lupa, Projeto Comprova, Aos Fatos e entre outras.

Os participantes também demonstraram pessimismo em relação às aplicações de qualquer espécie de regulação das plataformas digitais no Brasil neste momento. Contudo reforçaram que as discussões são positivas a médio-longo prazo, possibilitando que as empresas de tecnologia comecem a se alinhar com órgãos da imprensa, governos e sociedade civil.
Temos que arregaçar as mangas e seguir na batalha. Essas plataformas têm muito poder de mercado no Brasil e isso é um problema. A falta de moderação em uma plataforma desencoraja as outras. Precisamos estimular uma corrida ao topo entre as plataformas, explica Meetali.

A mesa Big tech e o futuro do jornalismo digital teve como Anfitriões o Nexo e o Nós, mulheres da periferia. O Nexo é um jornal digital, lançado em novembro de 2015, com o objetivo de trazer contexto às notícias e ampliar o acesso a dados e estatísticas. O Nós, mulheres da periferia é um site jornalístico dedicado a repercutir a opinião e a história de mulheres negras e periféricas.

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Participaram da mesa: Paula Miraglia (Nexo Jornal), Iacy Correia (Alma Preta), Francisco Cruz (Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da USP) e Meetali Jain (Reset). Assista na íntegra:

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