Diversidade no jornalismo depende de ultrapassar barreiras desde o ingresso na profissão até a publicação de narrativas antirracistas

Profissionais negros enfrentam mais obstáculos para chegar às universidades, redações e em cargos de chefia. Diversidade na comunicação depende de uma equipe que também seja diversa e possua olhares variados para as produções jornalísticas. 

Texto: Ruam Oliveira/ Edição: Anelize Moreira/ Ilustração: Beatriz Cristina* 

O discurso por diversidade está cada vez mais presente em campanhas publicitárias e iniciativas de empresas de diferentes segmentos. No jornalismo não é diferente: há um movimento em voga que busca tornar as redações mais diversas.

Buscando a raiz da palavra, a fundadora do veículo Notícia Preta, Thais Bernardes olhou para o termo “diverso” para refletir em que momento isso deixa de ser somente um conceito e passa a ser uma realidade concreta no jornalismo. 

Durante a mesa  “Diversidade no jornalismo – como fazer?”, nesta segunda-feira, (21), Dia Internacional contra a Discriminação Racial, a jornalista trouxe diversos sinônimos como: aquilo que é diferente ou variado. Ter um jornalismo diverso é, portanto, ter um jornalismo diferente. “Mas como a gente chega nisso se o funil não é variado?”, questiona Bernardes.  

O funil ao qual ela se refere tem a ver com toda a trajetória das pessoas pretas: desde o ensino básico e o desafio para conseguir se formar no ensino médio, até ingressar na graduação, concluir o curso e ter a chance de trabalhar na área em que estudou. 

O desafio de ingressar na faculdade hoje já não é tão grande quanto há alguns anos, graças às políticas afirmativas e mecanismos de financiamento estudantil, como o Prouni e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). “Eu sou fruto do sistema de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o Notícia Preta também”. 

Promulgada em agosto de 2012 a chamada Lei de Cotas (L12711/12) completa dez anos este ano e representa um avanço no ingresso de pessoas pretas e pardas ao ensino superior. Apesar de todo esse avanço na legislação, esses programas sozinhos não garantem uma diversidade na comunicação. 

Midiã Noelle é jornalista e idealizadora da Organização Social Commbne (comunicação baseada em inovação, raça e etnia), além de coordenadora de comunicação do projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista). Com inúmeras passagens por programas da ONU, ela pontuou que a maioria dos professores das universidades públicas brasileiras ainda é composta por pessoas brancas e do sul e sudeste do país. 

“É preciso que pessoas pretas estejam ocupando esses espaços”, disse Noelle. Ela reforça que a academia precisa falar de comunicação a partir de uma realidade autocentrada para poder, assim, olhar para a diversidade.

Excesso de desafios

Uma corrida repleta de obstáculos, onde a cada desafio vencido logo se apresenta um novo.  Foi essa a imagem apresentada por Thais Bernardes quando apontou como vê a diversidade no jornalismo. 

Vencidas as etapas de ingresso, outros obstáculos vão surgindo, como os processos seletivos acirrados e que privilegiam experiências às quais grande parte da população negra e periférica não teve acesso. 

Essa forma de seleção também impacta no tipo de jornalismo que é desenvolvido. Depois de passar na faculdade e conseguir uma vaga, os repórteres e jornalistas enfrentam o desafio de lidar de maneira antirracista com as pautas que recebem. 

Thais lembra que em sua época de cobertura da editoria policial, sabia que os editores queriam “uma receita de bolo” que, por vezes, colocava pessoas pretas em posição de humilhação. A jornalista destaca que quem trabalha com comunicação antirracista já entende que alguns termos e abordagens não devem ser usadas, porque podem causar no leitor uma visão distorcida 

“O jornalismo antirracista também passa pela semiótica. Como você vê essa pessoa negra no jornal? Qual é a imagem que ela passa? Quando a gente pensa em jornalismo diverso, temos que ter isso em mente”, comenta a jornalista. 

Este trabalho de diversificar as redações é de todos que fazem parte dela, principalmente de quem toma decisões. “Tornar uma redacão mais divesa é papel de homens, de pessoas cis, de pessoas brancas, de todos”, afirmou o jornalista Helton Simões Gomes, editor do núcleo de diversidade no UOL. 

Helton Simões e Midiã Noelle pontuaram que o racismo não é assunto exclusivo de pessoas pretas. Pelo contrário, é assunto de pessoas brancas também.

Os palestrantes compartilharam algumas estratégias para garantir que a diversidade ocorra na comunicação. Não criminalizar a pobreza, não naturalizar violências cometidas contra pessoas negras e optar, sempre que possível, por imagens positivas de mulheres e homens negras/os e indígenas foram algumas das dicas pontuadas por Noelle. 

Existem diversos materiais que podem contribuir com uma comunicação antirracista e diversa, como o Minimanual do jornalismo humanizado: Racismo, produzido pela Ong ThinkOlga ou a Caixa de Ferramentas, da Énois. 

Para Thais, outro fator determinante para a diversidade no jornalismo e na comunicação é fazer com que pessoas pretas, LGBTQIA+ e indígenas, por exemplo, assumam cargos de  lideranças nas empresas de comunicação. Parte da mudança e do avanço da diversidade está em quem toma as decisões finais, seja na figura de um editor que define as pautas ou em quem financia a instituição. 

Confira as dicas apresentadas por Midiã Noelle para uma comunicação antirracista:

  • Assumir uma postura diversificada na escolha da pauta;
  • Não criminalizar a pobreza;
  • Não naturalizar violências cometidas contra pessoas negras;
  • Definir, em caso de situação de risco da fonte, os critérios de abordagem;
  • Usar uma linguagem na perspectiva de raça e etnia (inclusiva e respeitosa);
  • Optar, sempre que possível, por imagens positivas de mulheres e homens negras/os e indígenas para ilustrar o conteúdo de qualquer notícia digitalizada, impressa, eletrônica ou sonora;
  • Risque Expressões Racistas do Vocabulário;
  • Não associe pessoas negras a animais;
  • Não normalize a sexualização de corpos negros;
  • Considere perspectivas interseccionais de gênero e raça;
  • Não tenha ideais eurocêntricos de beleza na produção;
  • Seja ético e evite opiniões e percepções baseadas em crenças e moralismos;
  • Humanidade com vítimas de violência.

A mesa Diversidade no jornalismo – Como fazer? teve como Anfitriãs a Enóis e o Notícia Preta. A Énois é um laboratório que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. O Notícia Preta é um jornal antirracista que acredita na comunicação como uma ferramenta de não reprodução de preconceitos e estereótipos, estigmatizantes ou pejorativos em relação à população negra e periférica na imprensa.

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Confira a íntegra:

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