Reportagem multimídia da Marco Zero aborda preconceitos contra pesquisadores de ciências humanas no país. Foto: Heros Cegatta.
Por Fernanda Iacovo, Cadu Belo, Kacieny Monteiro, Luíza Quintanilha, César Oliveira e Carlos Gabriel Tolêdo, Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA)
No último dia de evento, o Festival 3i recebeu convidados para a sessão de cases de sucesso. Conheça as iniciativas independentes, inovadoras e inspiradoras que mostraram seus trabalhos:
Ponto Futuro – Nexo discute os desafios da atualidade
Editora do Nexo Jornal e responsável pela editoria “Ponto Futuro”, a jornalista Letícia Arcoverde trouxe os cinco eixos que a caracterizam – Amazônia, ciência, infância, gestão pública e clima.
A preocupação da palestrante com o futuro ficou evidente: “Como pensar o futuro quando o presente parece tão urgente?”. Arcoverde alerta para os problemas atuais em relação a assuntos sensíveis como violência, mercado de trabalho, liberdade de expressão e novas tecnologias como a inteligência artificial.
A criação da editoria, em 2021, veio da inquietação de que “parecia que estávamos em crise permanente”. A equipe do Nexo, diante do isolamento social imposto pela da Covid 19, percebeu que tanto o jornal como a mídia tradicional “não dava conta de retirar a sensação de crise”. Desse modo, a “Ponto Futuro” busca entender os desafios do presente para construir um mundo diferente.
Internews e data_labe – Ecossistema da informação da população LGBTQIAP+ negra da cidade de Rio de Janeiro
A pesquisa feita pela Internews e pelo data_labe avalia como os indivíduos negros e LGBTQIAP+ acessam e se relacionam com as informações. A palestrante colombiana Nathaly Espitia Díaz é criadora de conteúdo, estrategista de comunicação e advocacia. Ela trabalha desenvolvendo projetos relacionados à segurança digital, privacidade e liberdade na internet.
Durante o case, a pesquisadora responsável buscou evidenciar a relação entre discurso de ódio e desinformação durante os períodos eleitorais, entre setembro e dezembro de 2022. Um dos discursos que mais cresce é o discurso de ódio em relação a racismo religioso, muitas pessoas negras LGBTQIAP+ se identificam com religiões de matrizes africanas como candomblé e umbanda e vivem com medo de sofrer violência física ou psicológica, por meio das redes sociais.
A pesquisa avaliou como pessoas negras LGBTQIAP+ acessam e se relacionam com as informações, e focou na parte qualitativa, apesar de também ser quantitativa. Parte da pesquisa incluiu criação de conteúdo para mediar discurso de ódio e segurança digital com foco em saúde mental.
A psicanalista Roberta Ribeiro, que contribui com o data_labe, aponta que a população negra LGBTQIAP+ da cidade do Rio de Janeiro não se sente representada pela grande mídia, e não somente em imagens, mas também por não ter suas pautas e vivências expostas com dignidade. “Muitas pessoas se sentem representadas por mídias independentes, por ONGs e por influenciadores digitais… isso demonstra bastante a nossa sociedade, em que pauta a gente está em se tratando de pessoas negras LGBTQIAP+.”
Black Ad Net – A ponte entre marcas e iniciativas de jornalismo que trabalham a partir da temática afrocentrada
Editor-chefe da Alma Preta, Pedro Borges apresentou como funciona a Black Ad Net, uma iniciativa que facilita a conexão entre marcas e coletivos de mídia idealizados e gerenciados por publishers pretos.
Com olhar da temática afrocentrada, Pedro Borges, mestrando em História pela Unicamp, abordou os pontos importantes como: os desafios de ser mídia independente, que se define por ter diferentes fontes de receita e a publicidade como solução para o sustento financeiro do jornalismo, sem deixar de passar por uma análise criteriosa das empresas parceiras.
Pedro contou que a Black Ad Net foi criada a partir de um parceria com o grupo Zygon, empresa de marketing digital de Salvador, a fim de monetizar o trabalho jornalístico. Para ele, a troca com pessoas que trabalham com tecnologia é enriquecedora. O objetivo é agregar valor ao jornalismo e dar profundidade ao modelo de negócios.
“A Black Ad Net é uma rede de publishers no Brasil majoritariamente composta por pessoas negras e periféricas que fazem cobertura ligada a direitos humanos que trabalham com a pauta antirracista”, afirmou Pedro Borges.
Nós, mulheres da periferia, Fala Roça, a própria Alma Preta e AfroTV são alguns exemplos de grupos parceiros da Black Adnet.
37Graus – Podcast criado na tentativa de decifrar os mistérios do mundo
O podcast, que teve início no fim de 2017 durante um doutorado de genética e biologia molecular, conta com uma narrativa incomum que faz uso da ciência para abordar as histórias mais interessantes.
A criadora Sarah Zoubel afirmou que o 37Graus é direcionado a ouvintes que gostam mais de perguntas do que respostas. A ideia sempre foi fazer com que as pessoas mergulhassem na complexidade do mundo, e soubessem das possibilidades existentes ou não da descoberta de tais mistérios, com temas que vão de resposta da imortalidade à memória humana.
Zoubel contou que teve a ideia da criação e chamou Bia Guimarães, companheira de trabalho, para a jornada. O Instituto Serrapilheira fez o financiamento do projeto desde o início, possibilitando a profissionalização do podcast e criação de uma produtora. Em 2019, foi o primeiro podcast brasileiro selecionado pelo Google que ofereceu um treinamento internacional.
Em 2020, teve a temporada epidemia em parceria com a Folha de São Paulo, em que a ideia era contar a história do zika vírus no Brasil e entender se as epidemias acabam. No lançamento, por estar em meio à pandemia, as pautas foram adaptadas, e a série ganhou o Prêmio Roche de Jornalismo de Saúde da América Latina. Também foi feita a série “Corpo Especulado” com a revista AzMina, como primeira experiência com parceria editorial, mesclando cobertura de ciência com gênero.
A estratégia da dupla era conseguir conquistar a confiança dos ouvintes para escutar histórias interessantes, através de um formato inovador, impactando os consumidores do conteúdo com a divulgação em áudio. Com isso, foi feita a última temporada “hereditária”, que fala sobre a hereditariedade, algo que a humanidade está sempre tentando controlar e questiona se isso é bom ou não.
Bots do Núcleo – O trunfo entre jornalismo e tecnologia
A automatização dos processos de informação é tendência no mundo digital. O Núcleo é uma startup que une jornalismo e tecnologia e contém um exército de robôs que contribui em diversas áreas na produção de conteúdo, seja para combater a desinformação no Youtube, escutar a audiência da organização jornalística ou evidenciar a movimentação política de deputados, governadores e presidente no Brasil.
Nesse case, Sérgio Spagnuolo explicou que produz conteúdo como organização jornalística, mas desenvolve tecnologia, novos formatos, novas formas de fazer jornalismo e os bots são um exemplo. “Muito do que a gente faz tem a ver com automação, automação de processo, de publicação, relatório e interações com Twitter, Telegram e Discord”, contou Alexandre.
Spagnuolo também esclareceu sobre os disparos de conteúdos automatizados, que têm como objetivo contribuir para que o jornalista faça um trabalho investigativo mais específico e impactante. Acrescentou que são ferramentas utilizadas no dia a dia, não só por jornalistas, mas por outras organizações também.
Os pontos abordados no case foram:
BOTPONTO: O BotPonto é um robô que monitora vídeos no YouTube para facilitar o combate à desinformação. O robô tweeta automaticamente um link com o ponto exato no vídeo em que os termos foram ditos. Esse bot ganhou o prêmio ABRAMAN em 2022. Ajudou muito durante as eleições.
BEDELBOT: O BedelBot é um robô que monitora os canais oficiais no Telegram dos candidatos à presidência do Brasil em 2022. Ele coleta todas as mensagens publicadas nos canais, para facilitar a análise e pesquisa por temas específicos.
AMPLIFICA: O Amplifica é uma parceria entre Núcleo e AzMina. O bot escuta nossa audiência no Twitter (com consentimento dos participantes) e nos ajuda com ideias de pautas e de engajamento com leitores e leitoras.
SCIENCE PULSE (IN ENGLISH): Science Pulse é um bot de Twitter e Telegram que publica os principais tweets de nossa curadoria de perfis de ciência e saúde no Twitter.
WEBER BOT: O Weber é nosso bot de política que a cada 3h compartilha os tweets mais populares de políticos brasileiros, baseado em dados do app Monitor Nuclear.
Sou de humanas – Reportagem multimídia aborda os constrangimentos que os profissionais de humanas passam
As jornalistas Mariana Filgueiras e Carolina Monteiro trouxeram as iniciativas de uma página vinculada ao site Marco Zero abordando os preconceitos e situações vividas por pessoas que “são de humanas” e precisam explicar constantemente sobre sua área de estudos e atuação.
Usando o humor como linguagem, o “Sou de Humanas” é uma reportagem multimídia que mostra a importância das Ciências Humanas em projetos de ponta no Brasil.
O projeto teve início em 2019 a partir de um tuíte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em que anunciou o corte de verbas, por meio do Ministério da Educação, para os cursos de filosofia e sociologia. Ele justificou que o corte era necessário para prestigiar outros cursos como veterinária, engenharia e medicina demonstrando um desprezo pelos cursos de humanas.
O projeto visa realçar o verdadeiro valor do profissional dessa área posta de lado pelo antigo governo. “A gente foi mostrando como o pesquisador de humanas é fundamental, só que com o auxílio luxuoso de vídeos pensados, memes, de humor feito por jovens”, afirmou Mariana.
A ideia era que a reportagem virasse uma campanha, para resgatar o orgulho do pesquisador de humanas que forma os filhos da classe trabalhadora brasileira. Os próprios pesquisadores se desvalorizam, pois se reconhecem como aqueles que não são familiarizados com os cálculos como se isso fosse motivo de vergonha. A intenção das jornalistas foi ressignificar a hashtag #soudehumanas tentando quebrar o vício dos jornalistas em falas que trazem uma suposta “incapacidade” para lidar com números.
Elas no Congresso – Tecnologia, dados e jornalismo para monitorar os direitos das mulheres
Idealizada pela revista AzMina, o Elas no Congresso é uma plataforma que monitora e avalia os projetos de lei no Congresso Nacional que afetam a vida das mulheres brasileiras, assim como os projetos apresentados por mulheres e o monitoramento dos parlamentares em geral sobre questões de gênero.
A atuação dos congressistas em relação aos direitos das mulheres fica evidenciada no gráfico que analisa o percentual do envolvimento dos mesmos com projetos de temas relevantes para a diminuição da desigualdade de gênero. “Um em cada quatro projetos propostos são desfavoráveis aos direitos das mulheres”, constata o projeto.
O Elas no Congresso também traz o “top 3” parlamentares de ambas as casas que melhor atuam em favor de projetos de lei para as mulheres e, elenca também o top 3 que apresenta propostas desfavoráveis aos direitos femininos.
Durante o case, a jornalista e diretora de conteúdo da AzMina, Bárbara Libóri esclarece que “a falta de monitoramento das questões de gênero prejudicam o debate público sobre projetos que podem impactar a vida das mulheres brasileiras”.
Daqueles que apresentaram projetos favoráveis temos três deputadas mulheres e uma senadora, seguidos de dois senadores, a saber: Fabiano Contarato (PT-RS) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A deputada que lidera o ranking de projetos a favor das mulheres é a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Dos seis parlamentares (três na Câmara e três no Senado) que apresentaram projetos desfavoráveis, quatro são do Partido Liberal. A deputada federal que mais apresentou projetos desfavoráveis às mulheres foi a deputada Chris Tonietto (PL-RJ). No Senado, o parlamentar que lidera o ranking de projetos desfavoráveis é o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
A iniciativa facilita o acesso da sociedade, da própria imprensa e das organizações da sociedade civil que advogam e trabalham pela causa feminista, a partir de três estratégias inovadoras que interagem entre si: o robô @elasnocongresso, um ranking da atuação de parlamentares no tema e, por fim, a produção de reportagens sobre o tema e uma newsletter.
Atlas da Notícia – Pesquisa mostra os locais do Brasil com pouca ou nenhuma cobertura jornalística
O Atlas da Notícia mapeia os desertos de notícias no país, trazendo informações relevantes para mensurar a ausência da produção de notícias nesses territórios. O levantamento também pode ser um importante termômetro de oportunidade para negócios no âmbito do jornalismo local.
De acordo com último estudo, os desertos de notícias diminuíram com o avanço do rádio e da internet em cidades nordestinas onde não havia cobertura jornalística. Foram mapeados 1.171 veículos online, 990 rádios, 213 impressos e 207 TVs na região Nordeste.
Um recorte feito por estado mostra que o Rio Grande do Norte, entre os estados do Nordeste é o que mais apresenta regiões de “deserto de notícias” sendo 82% o percentual de municípios em que a população local não tem informações jornalísticas do lugar onde vivem.
De acordo com o jornalista Sérgio Ludtke, coordenador da equipe de pesquisadores do Atlas de Notícia, 45,75% dos veículos contam com uma única pessoa na produção de conteúdo e apenas 265 dos veículos têm ao menos uma pessoa dedicada à área comercial. Desse modo, é visível as dificuldades financeiras dos veículos independentes e de pequeno porte.
Na região Sudeste, nem impresso e nem online, o rádio é o veículo de imprensa dominante na região. Minas Gerais e Espírito Santo são os estados onde mais avança o rádio em detrimento dos demais modais de comunicação principalmente nas pequenas cidades do interior.
*Reportagem produzida por estudantes de jornalismo para o Foca no 3i, parceria de cobertura do Festival 3i 2023 com as Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA).