Por Cadu Guarieiro e Juliana Martins, Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA)
O jornalismo tem a responsabilidade de atender todas as esferas socioeconômicas e com isso, romper as barreiras impostas pela sociedade e pela mídia tradicional. Uma vertente da comunicação inclusiva que tem crescido nos últimos anos é o jornalismo periférico. Utilizados, principalmente, como instrumento de democratização da informação, os veículos das periferias combatem a desinformação sobre as comunidades e dão visibilidade à pauta dos direitos humanos.
“E se o jornalismo periférico acabar amanhã?” foi o tema de uma das mesas do segundo dia do Festival 3i 2023. A atividade foi mediada pela jornalista e fundadora de três iniciativas de comunicação periférica, entre elas o Favela Em Pauta, Daiene Mendes. Ela também é colaboradora em uma fundação destinada a conectar líderes globais em prol do combate à desigualdade. O debate abordou temas como os diversos tipos de violência sofridos por moradores de periferias, quilombos e aldeias indígenas e as manutenções de estereótipos sobre esses grupos.
A mediadora iniciou a conversa perguntando quantos dos presentes tinham avós ou pais com graduação completa. O questionamento teve como objetivo evidenciar a desigualdade que seria o elemento da discussão da mesa, e explicitar que as políticas públicas delimitam os sonhos das periferias.
Entre os palestrantes estava Raimundo José, comunicador e líder jovem quilombola do Quilombo Rampa, no Maranhão. Raimundo fundou a Rádio e TV Quilombo Rampa, que comunica para os integrantes da comunidade quilombola. Ele explicou a dinâmica de produção da iniciativa, as dificuldades presentes no processo e as formas criativas que encontraram para manobrar o racismo institucional como, por exemplo, a utilização de equipamentos ancestrais e improvisados como o “bambu drone” – um pedaço de bambu com um cipó amarrando um celular na ponta.
“Por meio da comunicação popular, buscamos lutar contra esse racismo institucional e ambiental que dificulta o acesso à educação, e lutamos pela visibilidade”, afirmou.
A jornalista Gizele Martins, do Conjunto da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, possui um vasto currículo que inclui a atuação em cinco veículos de comunicação da comunidade onde reside. Gizele começou a atuação jornalística com 16 anos, sem mesmo saber escrever, denunciando os assassinatos dos amigos de infância. Segundo ela, em um espaço que é marcado pelo estereótipo de marginalidade construído pela mídia tradicional, a comunicação comunitária se faz de forma coletiva. “O jornalismo favelado não é sobre o termo ‘favela’. É sobre lugar e identidade”, disse.
Mais um comunicador popular que marcou presença foi Tony Marlon, mineiro criado na periferia da Zona Sul de São Paulo, colunista do Ecoa/UOL, e cofundador dos projetos Agência de Comunicação Maré Alta, Escola de Notícias e o jornal Embarque no Direito. “Os Racionais não são apenas um grupo de música, foram o primeiro coletivo de comunicação que a periferia teve. Nos ajudaram no nosso reconhecimento como sujeitos de direitos, e nos mostraram que a gente é muito maior que os desafios das periferias”, afirmou.
Utilizando o termo “produção social do esquecimento”, Tony explicou como a própria sociedade é estruturalmente induzida a esquecer alguns indivíduos em razão de celebrar pessoas historicamente institucionalizadas.
Durante a roda de perguntas, foram levantados temas como a maneira que a notícia é veiculada fora das comunidades, o papel do rádio comunitário, o jornalismo 24 horas, saúde mental e a importância do financiamento público para essa vertente social. Sobre o incentivo ao financeiro, Gizele disparou: “Precisamos lutar por isso, mas sempre garantindo a nossa linha editorial, territorial e de identificação. A gente não é só jornalista, é liderança local. Por que ainda estamos nesse lugar de ausência em 2023?”.
As questões levantadas também se voltaram para sobre quem e para quem o jornalismo periférico fala. Um dos objetivos desse tipo de cobertura é tentar construir um senso de pertencimento ao território.“Estamos discutindo coisas grandes, mas o básico não está sendo falado. A gente deve atravessar o caminho das pessoas, e não chamá-las até nós”, afirmou Tony Marlon.
A mesa fez questão de pontuar a importância do jornalismo periférico durante o auge da pandemia de Covid-19 e da desinformação, e as formas que encontram para driblar as fake news, inclusive feitas por figuras de autoridade na mídia tradicional.
A provocação que dá o título à mesa foi respondida por Raimundo de forma direta: “Muita gente morre de várias formas. Planos, sonhos e a própria história”. O jornalismo periférico, quilombola e indígena é uma necessidade de memória e visibilidade para quem pertence a esses grupos, além de viabilizar o conhecimento a quem não pertence. O fim do jornalismo comunitário só existe através da ideia de comunidade e identidade, e forma uma ideia de que não existe produção “para nós sem nós”, como disse Tony Marlon.
Assista o encontro na íntegra:
*Reportagem produzida por estudantes de jornalismo para o Foca no 3i, parceria de cobertura do Festival 3i 2023 com as Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA).