Pesquisadores presentes no 3i debateram os impactos das enchentes de 2024 para os veículos do estado e refletiram sobre possibilidades de prevenção
07/jun/2025
Em 2024, o governo do Estado do Rio Grande do Sul destinou apenas 70 centavos por habitante para políticas de Defesa Civil, segundo a jornalista e coordenadora de Imprensa do Greenpeace Brasil, Laís Modelli. No mesmo ano, em abril, o estado enfrentou sua pior tragédia climática: 184 mortes, 25 desaparecidos e mais de dois milhões de pessoas afetadas. No segundo dia do Festival 3i 2025, Modelli e o pesquisador e docente da PUCRS, Marcelo Fontoura, conduziram a sessão “Diálogos e Tendências” sobre os impactos da catástrofe do ano passado no ecossistema jornalístico gaúcho, com base em um diagnóstico construído a partir de entrevistas qualitativas com veículos de comunicação afetados e em dados de uma pesquisa quantitativa.
Os levantamentos apresentados integram um projeto desenvolvido em parceria com a organização Repórteres Sem Fronteiras, cuja publicação está prevista para o segundo semestre deste ano. A análise revelou os principais desafios enfrentados pelas redações: entre os 12 representantes de veículos jornalísticos ouvidos, 73% afirmaram não ter planos de contingência para desastres, 67% relataram impactos diretos nos espaços de trabalho, como falta de água, energia e internet, e 83% sofreram prejuízos financeiros, incluindo perda de assinantes e anunciantes, além de novos custos gerados pelas demandas emergenciais. Muitas dificuldades de logística e deslocamento também foram relatadas.
Além desses dados, a pesquisa mostrou que, em meio ao desastre, a imprensa tornou-se o primeiro meio de informação para muitas pessoas e, com contatos de emergência sobrecarregados, a população se dirigia aos veículos para solicitações de ajuda, que ainda serviam como fontes oficiais até para órgãos públicos. “Durante a tragédia, foi preciso explicar com clareza e qualidade para as pessoas quais eram os riscos, o que estava acontecendo e o que era preciso ser feito”, pondera Fontoura, que ainda ressalva: “e ao mesmo tempo ainda é preciso fazer a genealogia dessas catástrofes, pois elas não vieram do nada, não dá para só culpar a natureza, decisões nos levaram até aqui e existem culpados. Agora, como é possível mapear isso? É função do jornalismo ir além do óbvio”.
A cobertura no Rio Grande do Sul também foi marcada pela ambivalência da internet: ao mesmo tempo em que ajudou na mobilização de relatos e resgates, facilitou a rápida disseminação de fake news em meio à escassez de informação confiável. Com a rapidez dos acontecimentos, jornalistas enfrentaram dificuldades para encontrar dados oficiais. Modelli afirmou que o jornalismo enfrenta um momento em que a desinformação está muito relacionada com a cobertura climática e contou como foi a atuação do Greenpeace: “Reunimos todas as informações oficiais, construindo um banco de dados e imagens que combatia a desinformação e auxiliava a produção jornalística no Estado. Combater uma fake news é diferente de uma simples mentira, envolve uma intenção por trás, e sempre foi função do jornalismo esclarecer os fatos e, as organizações ambientais, estão aqui para apoiar nesse processo”.
Apesar dos desafios de confiabilidade e das pressões comerciais, o desastre no RS impulsionou mudanças positivas no ecossistema jornalístico local. Acelerou a transição digital de veículos focados em rádio ou impresso, ampliando suas formas de atuação, e fortaleceu redes colaborativas entre jornalistas, evidenciando o valor do trabalho em equipe e da empatia. A importância da ética jornalística e de planos de contingência também ficaram em evidência.
Ao projetarem cenários de extremos climáticos, Marcelo Fontoura e Laís Modelli sinalizaram que o primeiro ponto é entender que estas situações não são eventuais e localizadas, mas cada vez mais frequentes e globais. Além disso, enfatizaram a necessidade de manter uma cobertura do pós evento, com apurações sobre o que está sendo feito por agentes públicos e privados. “Podemos fazer coberturas mais transversais e produzir manuais que abordem uma cobertura ética para retratar as pessoas afetadas com dignidade. Será que a melhor maneira de contar essas histórias é explorando e espetacularizando, mesmo que indiretamente, o sofrimento desses indivíduos?”, questiona a jornalista.
Matéria produzida pela equipe do Portal de Jornalismo ESPM-Rio, em uma parceria com a Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
Reportagem: Pedro Henrique Mello
Supervisão: Guilherme Costa
Foto: Luisa Teixeira