Na abertura do Festival 3i, jornalista da revista The New Yorker faz uma análise sobre a guerra na Ucrânia e dá dicas para jornalistas brasileiros cobrirem as eleições de 2022 em meio a ameaças às instituições democráticas.
Texto: Camilo Mota / Edição: Giulia Afiune / Ilustração: Camila Araujo*
A guerra na Ucrânia nos aproximou da possibilidade de uma guerra mundial, afirmou o jornalista Jon Lee Anderson, redator da revista The New Yorker, na mesa de abertura da 5ª edição do Festival 3i, realizado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
Para Anderson, que cobriu conflitos armados no Afeganistão, Líbia e Iraque, a guerra na Ucrânia é o primeiro conflito “verdadeiramente globalizado”, pois seus impactos na economia global já estão afetando países no mundo todo, e os obrigando a se posicionar de um lado ou de outro do conflito.
“É mais do que uma guerra fria, eu diria, é pior. Está mais próxima de uma guerra mundial sem ser de fato uma. Temos países rapidamente se alinhando, aumentando orçamentos militares. Vai haver uma corrida armamentista”, alerta Anderson. Além disso, com as atenções do mundo voltadas para o leste europeu, o jornalista teme que, se os líderes globais não conseguirem reduzir a temperatura da guerra, temas como desigualdade social, desigualdade de gênero e mudanças climáticas serão colocados de lado.
A partir de sua experiência como repórter de guerra, Anderson comentou a cobertura jornalística da guerra na Ucrânia, criticando os vídeos sobre o conflito postados no TikTok e os classificando como “superficiais”. Para ele, não basta estar num lugar, tirar fotos, fazer vídeos e depois postar nas redes sociais.
“É preciso reportagem. Além de aprender as capacidades básicas de contar uma história e do ofício do jornalismo, é preciso saber como fazer uma reportagem”
Jon Lee Anderson
“Se eu estivesse tentando fazer jornalismo de TikTok em Kiev eu provavelmente tentaria encontrar histórias curtas, ou talvez levar as pessoas passo a passo para dentro daquela realidade. Talvez eu tentasse encontrar uma família vivendo em um prédio desses que estão sendo bombardeados todos os dias. Como é a vida nesses lugares? É só gente correndo em escadas, sendo resgatadas de ruínas, ou levando suas malas em estações de trem? É só isso que os ucranianos estão fazendo?”, indaga o jornalista.
Além disso, Anderson afirma que nesses conflitos é importante mostrar o ponto de vista da população local e fugir da demonização e objetificação das vítimas. Outros desafios que os jornalistas precisam enfrentar são a “guerra psicológica” e a desinformação, usados por governos de ambos os lados do conflito para conquistar os “corações e as mentes das pessoas”.
No Brasil, a desinformação também é um grande problema com o qual os jornalistas brasileiros têm que lidar, especialmente com a perspectiva das próximas eleições presidenciais.
Em entrevista exclusiva, a presidente da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Natalia Viana, que mediou a conversa com Jon Lee Anderson, alerta:
“A manipulação do debate público é um dos maiores desafios para o jornalismo atual, tanto aquele feito pela imprensa tradicional quanto por veículos digitais. Seguimos vendo uma rede estruturada que perverte fatos para gerar instabilidade pública, organizada ao redor do chamado Gabinete do Ódio e ligada ao nosso presidente da República”
Natalia viana
Cofundadora e diretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, Viana atualmente pesquisa o tema na Universidade de Harvard. Ela explica que o jornalismo brasileiro tem buscado investigar as redes criminosas de desinformação que atuam para fragilizar a democracia no país. “A mesma rede que trabalhou ativamente para minar os esforços de combate à COVID, resultando em mortes [que poderiam ter sido evitadas], não vai medir esforços para desestabilizar nossas próximas eleições,” afirma a jornalista.
Durante a conversa, Anderson e Viana ressaltaram as similaridades entre as ameaças que as democracias estadunidense e brasileira estão enfrentando. O jornalista da The New Yorker apontou caminhos para o jornalismo brasileiro durante as eleições presidenciais de 2022. Em vez de cobrir eleições como se fazia no passado, assistindo a debates e indo a comícios de campanhas, para ele “é preciso olhar para as placas tectônicas de cada sociedade”. “Tem muita investigação para ser feita. Quais são as instituições-chave que sustentam o Estado democrático brasileiro e em que sentido elas estão seguras ou não? Onde estão as verdadeiras fissuras nas instituições do país?”, questiona.
*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.
Confira a entrevista na íntegra: