Produções em rede: “é colaborando que se consegue os grandes furos”

Jornalistas contam o que aprenderam trabalhando em reportagens colaborativas; acordos bem definidos, comunicação sincera e disposição em aprender com o outro são essenciais.

Texto: Beatriz de Oliveira / Edição: Giulia Afiune / Ilustração: Miréia Figueiredo

A competição entre jornalistas de veículos diferentes está perdendo cada vez mais espaço para as produções colaborativas, que reúnem profissionais de diversas organizações para trabalhar em reportagens ambiciosas que só podem ser investigadas em conjunto. “A palavra máxima do jornalismo inovador é a colaboração”, defende Joana Suarez, gerente de jornalismo da revista AzMina, que mediou a mesa “Produções jornalísticas em rede: como articular grandes coberturas?” no sexto dia do Festival 3i. 

“Percebemos que é colaborando que se consegue os grandes furos”, afirmou Maria Teresa Ronderos, diretora do Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), uma associação criada em 2019 e focada em investigações transfronteiriças e colaborativas entre jornalistas de toda América Latina. Entre os 15 especiais já publicados pelo CLIP, está “Una guerra adictiva, 50 años combatiendo las drogas” (Uma guerra viciante, 50 anos combatendo as drogas), no qual um grupo de jornalistas de onze veículos em seis países analisou os efeitos do fracasso das políticas americanas de guerra às drogas em todo o continente, das prisões brasileiras ao sistema de justiça dos Estados Unidos. 

Aqui no Brasil, um grande exemplo de jornalismo colaborativo foi a Vaza Jato, série investigativa liderada pelo The Intercept Brasil que teve 111 reportagens produzidas a partir de um vazamento de conversas dos procuradores do Ministério Público Federal responsáveis pela Operação Lava Jato. Um dos editores do especial, o jornalista Alexandre De Santi contou que, ao receberem um arquivo com 43 gigabytes composto quase totalmente de textos, ficou claro para os jornalistas do Intercept que a parceria com outros veículos era necessária. “A gente não ia ter condições de dar conta da velocidade que a gente sentia que seria o interesse público em cima daquele arquivo”, diz. A primeira reportagem publicada em parceria foi com a Folha de S. Paulo, e logo outros veículos os procuraram para somar nas produções. Reportagens foram investigadas e publicadas em conjunto com o UOL, a Agência Pública, a rádio BandNews FM, entre outras organizações jornalísticas. 

O volume de trabalho não foi o único motivo que fez o Intercept firmar parcerias com outros veículos na Vaza Jato. De Santi explicou que trazer outras organizações para aquela cobertura era uma forma de mostrar que a publicação daquele material tinha um propósito jornalístico, não político. Além disso, ele diz que aprendeu muito ao cooperar com profissionais de veículos diferentes, e que o resultado final foram reportagens mais ricas para os leitores. “O olhar do repórter que tá ali vasculhando é um, e ele vai conseguir bater o olho e encontrar alguma coisa que é interessante. Mas uma outra pessoa, com outra vivência, vai interpretar aquilo com um outro olhar e trazer uma coisa nova”, aponta.

Outro veículo que já se aventurou em reportagens colaborativas foi a Amazônia Real. No especial “Um vírus e duas guerras“, o veículo se juntou a outros seis de outras regiões do país para investigar os casos de feminicídio durante a pandemia de Covid-19. “Fizemos um acordo de apuração de investigação desta reportagem fazendo com que todos tivéssemos o mesmo espaço e pudéssemos investigar nas cinco regiões do país essa violência contra a mulher durante a pandemia”, explicou a cofundadora e editora executiva da Amazônia Real, Kátia Brasil. Os dez meses de parceria resultaram em mais de 65 reportagens publicadas

A série “Ouro do Sangue Yanomami” foi mais uma investigação colaborativa, desta vez entre a Amazônia Real e a Repórter Brasil. A série de sete reportagens colocou à tona a extração ilegal e venda de ouro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Kátia Brasil conta que as repórteres de sua agência foram responsáveis pelo trabalho de campo local, e os da Repórter Brasil investigaram as empresas envolvidas na cadeia ilegal do ouro, por já terem experiência nesse tipo de cobertura. 

“Temos que procurar por quem já está trabalhando com o assunto”, diz Maria Teresa Ronderos. Para ela, as colaborações jornalísticas ficam mais ricas quando envolvem veículos especializados em cobrir os temas propostos ou experientes nos métodos necessários para apurar aquela pauta. 

Para quem quer produzir reportagens em rede, Ronderos dá outra dica. “É preciso ter regras de jogo claras, e melhor ainda se estiverem assinadas”. A jornalista colombiana acrescenta que é necessário ter uma “pista certa” para nortear a investigação, para a reportagem não se resumir a uma coleção de histórias. 

A jornalista Kátia Brasil salienta a importância da comunicação sincera e do respeito ao que foi planejado e combinado entre os veículos. “A gente precisa ser muito honesto um com o outro. Se não dá para fazer, fala com antecedência”, aconselha.  

A solidariedade entre os parceiros deve se manter também após a publicação das reportagens, quando podem ocorrer ataques e processos, conforme aponta Alexandre De Santi. Para o jornalista, nas experiências de produções colaborativas é preciso ter humildade e curiosidade para se relacionar com os colegas. “A gente está abrindo a porta para as pessoas entrarem na nossa casa por que a gente tem algo a aprender com elas”, afirma. 

A mesa Produções jornalísticas em rede: como articular grandes coberturas? teve como Anfitriãs o AzMina e a Ponte Jornalismo. O Instituto AzMina é uma organização sem fins lucrativos que luta pela igualdade de gênero. A Ponte Jornalismo é uma organização sem fins lucrativos criada para ampliar o debate sobre os direitos humanos por meio do jornalismo. 

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Confira a mesa na íntegra:

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