Por Luiz Rodolfo Libonati, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
A comunicação independente, engajada por essência, aposta no talento plural e na colaboração jornalística. Hoje, o meio de expressão parece ser o menor dos problemas para quem quer empreender no jornalismo, já que as facilitações tecnológicas popularizaram tanto o acesso quanto a produção e circulação de conteúdo. As grandes dificuldades, no entanto, passam pela sustentabilidade financeira dessas organizações. “Jornalismo de qualidade custa caro e esta conta tem que ser paga”, comenta Carol Monteiro, uma dos fundadores da Marco Zero Conteúdo e diretora da Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Carol mediou a mesa “Caminhos da sustentabilidade: papo com financiadores de projetos jornalísticos”, no Festival 3i Nordeste, realizado no último sábado (19), no campus da Unicap, no Recife. A conversa teve participação de Carol Munis, representante da organização filantrópica Oak Foundation e responsável por seu programa para o Brasil, e Rafael Georges, representante da Luminate na América Latina e responsável pelo gerenciamento das concessões e investimentos da empresa em países da região.
De acordo com Carol Munis, a mídia independente se apresenta no Brasil como um antídoto contra a “indústria da desinformação”. Além disso, ela destaca seu potencial democratizador que atua ainda combatendo os desertos de notícias e se pautando na defesa dos direitos humanos. “A gente tem uma virada de chave completamente radical na ética, na forma de sistematizar e construir a informação na mídia independente”, ressalta.
Mas, se por um lado existe o jornalismo crescente comprometido com grupos sociais e comunidades vulnerabilizadas, por outro há de se entender a que passo caminha a sustentabilidade dessas organizações. “Me preocupa a concentração regional no Sudeste de veículos, audiência e recursos”, relata Carol Munis ao tratar do risco de se repetir modelos de financiamento da chamada mídia tradicional. Assim, entra em questão também, mais do que a sustentabilidade financeira, a escassez de receita pela filantropia privada no país: segundo mapeamento da organização Philea (Philanthropy Europe Association), diz Carol, o Brasil possui apenas 84 fundos e fundações, em contraste, por exemplo, com quase 600 na Índia e 86 mil nos EUA.
Diante do modelo de negócio da captação de recursos, defende ela, “não existe autonomia sem interdependência”. “É preciso continuar uma ética ecossistêmica em que, quando um se fortalece, se fortalece também quem está em volta”, considera. Reafirmando ainda a ética colaborativa do campo independente, esse movimento se ilustra na incubação de veículos emergentes por outros experientes e na captação consorciada.
Quem consome
Com a produção jornalística guiada pelo interesse público, Rafael Georges levantou duas questões também muito relevantes para se pensar a sustentabilidade: quem estará consumindo esta produção independente? Qual será o efeito do conteúdo nesse consumidor? Segundo dados de 2020 da Luminate, no país, 92% consomem notícias em mídia digital, dos quais 80% acessam por smartphone. “O público, que é fiel das mídias digitais, tem uma espécie de dependência de trajetória, busca confiança e se apoia muito no hábito”, complementa. No contexto dos diferentes veículos, isso significa vantagem para os hegemônicos. “Ou a página inicial dos usuários é a Folha de S.Paulo, ou o G1, UOL”, um hábito que ocupa o tempo dedicado ao consumo. “É muito difícil de quebrar”, pontua ele, “E é um desafio para a sustentabilidade”, completa.
Assim se norteia o processo de captação de receita à medida que os meios indicam a quem servem e sua relevância para as audiências a que se dirigem. Segundo Rafael, isso se reflete na relevância, projeção e na capacidade de captar de outras formas. “Valorizar o bom jornalismo é um desafio coletivo e traz benefícios coletivos. O quanto o seu jornalismo está contribuindo para o papel do jornalismo como um todo? Talvez essa seja a conexão que vai trazer audiências e colocar sua marca para disputar os recursos disponíveis”.
Por fim, ele destaca medidas a exemplo da escolha cautelosa das fontes de financiamento e da presença de alguém que pense as fontes para além da filantropia privada. “O estudo que a gente fez com a SembraMedia mostra que os meios mais bem sucedidos são os que têm entre duas a seis fontes de recursos”, diz ele.
Afinal, o que buscam?
Em meio a reflexões propostas pela mediadora Carol Monteiro, Carol Munis e Rafael Georges pesam questões chaves no olhar das fundações financiadoras no país. É o caso dos indicativos de maturidade institucional que chamam a atenção dessas fundações e dos critérios que os fundos adotam na hora de selecionar iniciativas jornalísticas donatárias. “Hoje, para mim, tem relevância não apenas uma ideia mas um projeto que já tenha uma pequena trilha percorrida e que mostre o que é possível de se fazer”, considera Carol Munis, da Oak Foundation.
O meio filantrópico especialmente, “na hora de aportar recurso semente, por exemplo, busca uma prova do conceito”, conta. Entre os atrativos estão a cobertura de regiões pouco visibilizadas e a incorporação de perspectivas pouco abordadas. Complementando, Rafael Georges, da fundação Luminate, faz uma provocação autocrítica, afirmando que as organizações que financiam projetos “precisam escutar mais do que dizer o que querem”. De parte dos veículos, importa estar clara a atuação jornalística e seus objetivos, assim como as formas planejadas de chegar lá.
Quanto à condução de um ecossistema jornalístico sustentável e inovador, tecla em comum batida por ambos, cabe sobretudo à mídia independente o papel crítico de buscar garantir o debate público de qualidade e democrático. Compromisso que se inicia no corpo e no fazer diverso dos meios jornalísticos.
Assista à mesa na íntegra:
*Reportagem produzida por estudantes de jornalismo para o Foca no 3i, parceria de cobertura do Festival 3i Nordeste entre a Ajor e a Unicap (Universidade Católica de Pernambuco).