Jornalistas que foram perseguidos e atacados nas redes e fora delas contam como realizar trabalhos contra a desinformação e os discursos de ódio em um Brasil cada vez mais hostil para a imprensa.
Texto: Augusto Oliveira / Edição: Anelize Moreira / Ilustração: Mikael Schumacher*
“Qual a fronteira entre o digital e o real quando se fala em ameaça? Essas arbitrariedades vão continuar acontecendo e fazendo novas vítimas. A partir do momento que a integridade física da pessoa começa a estar em risco, são necessárias medidas de proteção”, explica o jornalista Thiago Tavares.
Thiago tem uma carreira reconhecida em segurança e cidadania digital. Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil de 2014 a 2020, atua na defesa dos direitos humanos, foi ameaçado de morte há cerca de alguns meses e um colega que trabalhava na mesma instituição que ele foi sequestrado. Desde então, realiza auto-exílio em Berlim, Alemanha, de onde continua seu trabalho em defesa de espaços seguros para jornalistas e ativistas.
“Um tema nada leve para um domingo”, definiu a jornalista Tai Nalon. Cofundadora da agência de checagem Aos Fatos, Tai participou da mesa “Ódio e desinformação contra os profissionais que o combatem diariamente”, ao lado de Gabi Coelho, jornalista no Estadão Verifica, e Thiago Tavares, fundador da SaferNet Brasil.
Segundo relatório da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), foram registrados 430 casos de violência contra jornalistas no Brasil em 2021. Entretanto, sabe-se que há inúmeros casos que não chegam a ser registrados, principalmente contra jornalistas mulheres.
A jornalista Gabi Coelho, com passagens pela Carta Capital, Ponte Jornalismo, Voz das Comunidades e projeto Comprova, compartilhou episódios de violência que sofreu e como conseguiu lidar com eles.
“Ambos os ataques me fizeram criar uma rede de apoio para me proteger. Tudo que eu fiz durante esses últimos anos nas redes sociais foi focado em segurança digital e estratégias que considero simples, mas que funcionaram. Para um xingamento no Twitter virar uma invasão no perfil é um pulo”, relata Coelho.
A importância da informação sobre segurança digital foi consensual na mesa. Desde atitudes fundamentais, como ativar a autenticação em dois fatores, até atitudes como usar perfil fechado, não compartilhar localização, podem promover mais segurança nas redes. Mas não é suficiente, as próprias empresas de tecnologia também precisam se responsabilizar.
“A informação precisa ser mais clara e as ações mais efetivas. Inclusive ter o apoio das plataformas para segurança digital e dar aos jornalistas informações sobre o que fazer. Querendo ou não, as plataformas contribuem para a desinformação quando protegem usuários que a praticam”, reforça a jornalista de fact-checking do Estadão Verifica.
Os usuários e grupos que disseminam discursos de ódio e realizam ataques contra jornalistas são conhecidos pelas plataformas e por quem já adentrou em ambientes digitais com menor moderação. Permeados de intolerância, direcionam seus ataques principalmente contra mulheres.
“Essas pessoas que te atacam esperam o pior de você e, mesmo quando recebe um bom tratamento depois, ficam incomodadas pois a minha figura, o corpo de mulher preta e jornalista, está desafiando ele. Eu sou uma pessoa que merece respeito. Tá tudo bem discordar, mas quando vira um ataque é inaceitável”, exclamou Coelho.
Assista a mesa na íntegra:
Num contexto de polarização do debate e aumento sistemático de discursos de ódio e desinformação nas redes, Thiago Tavares, que foi membro titular do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do Tribunal Superior Eleitoral (2017/2018), ressaltou a importância do jornalismo e o papel das instituições.
“As redes de apoio são fundamentais. Quando se ataca a imprensa, se ataca a democracia. As instituições brasileiras precisam estar atentas, se sabe que as estratégias de intimidação são uma tática eleitoral de grupos políticos. É preciso avançar na detecção e neutralização dos ataques antes que eles aconteçam de fato”.
Essa detecção é um eixo fundamental. Entende-se que o Brasil carece de uma infraestrutura pública que regulamente e fiscalize os ambientes digitais. Mesmo assim, o jornalismo foi a área que assumiu o papel (e os riscos) de garantir informações de qualidade para o público no país e por isso deve ser um um dos setores .
“O trabalho das agências de checagem é essencial, fundamental, e precisamos avançar não só na consolidação dessas agências, mas na proteção desses profissionais. Temos que ter coragem para seguir fazendo o que acreditamos. Silenciar-se é aquilo que os agressores almejam”, reforçou o fundador da SaferNet Brasil.
Conheça algumas ferramentas para maior segurança digital:
- Canal de denúncia (SaferNet): https://new.safernet.org.br/denuncie
- Formulário de denúncias de ataques contra mulheres jornalistas (Abraji): https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSejShwwNf7fpyXEVTcJ13e-AzYml9dicNMQ_-nDexHJ2xNU1g/viewform
- Guia de Segurança Digital para jornalistas (Repórteres Sem Fronteiras) https://rsf.org/pt/relacoes/rsf-lanca-guia-de-seguranca-digital-para-jornalistas
- Cartilha de segurança para internet: https://cartilha.cert.br/
A mesa Ódio e desinformação contra os profissionais que os combatem diariamente teve como Anfitriã o Aos Fatos. Por meio de ferramentas inerentes ao jornalismo investigativo, Aos Fatos é especializada em monitoramento e investigação de campanhas de desinformação na internet e checagem de fatos.
*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.