Racismo ambiental e justiça social precisam ser considerados na cobertura da crise climática, defendem jornalistas

No Festival 3i, jornalistas explicaram por que a cobertura ambiental precisa ir além da ciência, ouvir vozes plurais, e cobrar políticos sobre planos para lidar com as mudanças climáticas, especialmente em ano de eleição.

Texto: Amanda Stábile / Edição: Giulia Afiune / Ilustração: Mikael Schumacher

Os impactos das mudanças climáticas afetam todos nós, mas determinadas populações, como os mais pobres, os povos indígenas e a população negra, sentem esses efeitos de maneira mais intensa e desproporcional. O chamado racismo ambiental precisa ser levado em conta pelos jornalistas na cobertura da crise climática e dos demais desastres ambientais, de acordo com jornalistas que participaram da mesa “Novos olhares para a cobertura ambiental”, durante o Festival 3i deste ano. 

Para a jornalista Tatiane Matheus, que também é pesquisadora em Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão e responsável pelo curso para Jornalistas em Mudanças Climáticas no Instituto ClimaInfo, não há como falar sobre mudanças climáticas sem pensar em justiça social. “Se a gente vai fazer uma cobertura de Petrópolis, ou dos impactos de outras chuvas, tem que ter sim o porque aquelas pessoas estão naquele lugar. Não chegar como o famigerado presidente: ‘esse povo mora lá porque quis morar lá”, exemplificou, referindo-se às fortes chuvas que atingiram a cidade de Petrópolis em fevereiro e março de 2022, resultando em deslizamentos e enchentes que deixaram mais de 200 mortos. “A gente precisa de personagens e precisa ter conexão com as pessoas, mas temos de tomar cuidado com a forma como estamos contando essas histórias,” afirmou. 

Tatiane também apontou que é preciso conhecer o nosso lugar de fala enquanto jornalistas e contar as histórias daqueles que foram afetados sempre prestando atenção nas vozes que estamos ou não ouvindo. “Existem estereótipos nessa narrativa, por isso é importante a gente entender o nosso lugar de fala, saber questionar e tomar cuidado na nossa cobertura ambiental para não replicar estereótipos”, disse. 

A advogada e coordenadora do Portfólio de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Marina Marçal, complementou: “é preciso trazer pessoas plurais para o debate, o que pode provocar novos olhares para a cobertura ambiental”. Para a mediadora do debate, a jornalista Maristela Crispim, fundadora e editora-chefe da Agência de Conteúdo Eco Nordeste, “os nordestinos também não estão tão presentes nesse debate quanto são afetados pelos impactos das mudanças climáticas”.

Marina Marçal, que também se define como ecofeminista negra, reiterou que, especialmente neste ano de eleição, o Brasil tem uma grande chance de fazer o tema ambiental aparecer nos debates eleitorais, e que tanto cidadãos quanto jornalistas têm a oportunidade de cobrar dos gestores públicos e dos candidatos planos de prevenção e adaptação para lidar com a crise climática. 

Também citando os impactos das fortes chuvas em Petrópolis no início deste ano, a jornalista alertou que: “não dá para a gente cair na falácia de um país de maioria cristã que acha que a culpa das chuvas é de São Pedro, de uma natureza com raiva ou de um deus materializado. Está na hora de a população entender que está faltando do prefeito, do governador e do presidente um plano de ação”.

Para o coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, que também participou do debate, nós nunca tivemos um presidente na história do Brasil que se ocupasse tanto de questões relacionadas ao meio ambiente como Jair Bolsonaro. “O Lula tolerava essa história, o Fernando Henrique tinha uma abordagem teórica da questão ambiental e a Dilma simplesmente não se importava com isso. E o Bolsonaro se importa muito: todo dia ele acorda pensando em um jeito de abrir garimpo, matar indígenas, destruir a Amazônia…”, ironizou. 

Segundo ele, isso causou uma explosão na cobertura sobre esse tema no país nos últimos três anos. “Por um lado isso é um horror, porque esse governo foi muito competente em desmontar as salvaguardas ambientais que vêm sendo construídas no Brasil desde 1988; por outro lado, é uma festa para quem lida com notícia, porque não falta pauta ambiental nessa área no Brasil e não vai faltar no mundo, à medida em que a mudança climática fica mais séria e seus efeitos são mais agudos”, disse.

A mesa Novos olhares para cobertura ambiental teve como Anfitriões o ((o))eco, o Eco Nordeste e a Envolverde. ((o))eco é um veículo de jornalismo sem fins lucrativos fundado em 2004 que se dedica a documentar os desafios, retrocessos e avanços dos temas relacionados à conservação da natureza, biodiversidade e política ambiental no Brasil. A Eco Nordeste é uma agência de conteúdo focada nas diversas dimensões do Desenvolvimento Sustentável, social, econômica, ambiental, cultural, no Nordeste do Brasil, com respeito à diversidade, promoção da inclusão, destaque ao protagonismo juvenil e feminino, à cultura indígena, quilombola, cigana, dos povos sertanejos, serranos e litorâneos, bem como ao empreendedorismo responsável e às tecnologias sociais de convivência com as adversidades climáticas da região. A Envolverde publica diariamente notícias sobre temas relacionados à sustentabilidade e o portal é publicado pelo Instituto Envolverde que é uma organização da sociedade civil dedicada à construção da sustentabilidade através do jornalismo.

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Assista a mesa na íntegra:

Pular para o conteúdo